O intenso amor a Cristo-Homem, qual o
praticara São Francisco e qual o legara à sua Ordem, não podia
deixar de atingir Maria Santíssima. Já as razões do coração católico
de São Francisco e seu cavaleirismo o levavam a amor aceso da virgem
Mãe de Deus. "Seu amor para com a bem-aventurada Mãe de Cristo, a
puríssima Virgem Maria, era de fato indizível, pois nascia em seu
coração quando considerava que ela havia transformado em irmão nosso
o próprio Rei e Senhor da glória e que por ela havíamos merecido
alcançar a divina misericórdia. Em Maria, depois de Cristo, punha
toda a sua confiança. Por isto a escolheu para advogada sua e de
seus religiosos, e em sua honra jejuava devotamente desde a festa de
São Pedro e São Paulo até à festa da Assunção".
São Francisco não é
apenas um santo muito devoto, muito afeiçoado à Mãe de Deus, mas é
um dos santos em que a piedade mariana aparece numa floração
original e singular, sem contudo se afastar, por pouco que seja, das
linhas marcadas pela Igreja. A Idade Média, da qual é Filho, teve
uma piedade mariana cheia dos mais suaves encantos, porque fundada
toda sobre a nobreza de sentimentos e a cortesia de atitudes de
cavaleiros. Os cavaleiros se consideravam paladinos da honra e da
glória de Maria Santíssima.
São Francisco, que em
sua concepção específica da vida religiosa partia deste ideal e que
considerava os seus como "cavaleiros da Távola Redonda", cultivou
com esmero e com intensidade toda sua o serviço da Virgem Santíssima
nos moldes do ideal cavaleiroso, condicionado pelo seu conceito e
pela sua prática da pobreza. Nada mais comovente e delicado na vida
deste Santo, que a forte e ao mesmo tempo meiga e suave devoção à
Mãe de Deus. Derivada do amor de Deus e de Cristo, orientada pelo
Evangelho e vazada nos moldes e costumes do cavaleirismo medieval,
transposto a uma sobrenaturalidade, pureza e força singularíssima,
esta piedade mariana do Santo fundador é parte integrante do que
legou à sua Ordem e aí foi cultivada com esmero.
São Francisco fez dos
cavaleiros de "Madonna Povertá" os paladinos dos privilégios e da
honra da Mãe de Cristo. As fontes da vida e da espiritualidade de
São Francisco são unânimes em narrar quanto a igrejinha da
Porciúncula minúscula, pobre e abandonada na várzea ao pé de Assis,
igrejinha de Nossa Senhora dos Anjos - atraía as atenções de São
Francisco e prendia a sua dedicação. Atraiu as suas atenções, quando
estava para cumprir, segundo a interpretação que lhe dava, a ordem
de Cristo de reconstruir a Igreja Santa. O edifício ameaçava ruínas.
São Francisco pôs mãos à obra e em pouco tempo, com pedras e cal de
"Madonna Povertá", restituiu a estrutura da capela: "Vendo-a (a
capela) São Francisco em tão ruinoso estado, e movido por seu
indizível e filial afeto da soberana Rainha do universo, se deteve
ali com o propósito de fazer quanto fosse possível para a sua
restauração... Fixou neste lugar a sua morada, movido a isto pela
sua reverência aos santos anjos, e muito mais pelo entranhado amor
da Mãe Bendita de Cristo".
Depois de assinalado
por Cristo com os sinais gloriosos, mas dolorosos da Paixão, São
Francisco voltou à Porciúncula. De lá partia novamente para pregar,
mas voltava sempre. Os irmãos, apreensivos pela sua saúde combalida,
obrigaram-no a permitir o levassem aonde melhor podiam atender ao
tratamento reclamado pelo eu estado. Quando, porém, ia findar o
tempo que Deus lhe concedera, e sabia quando findaria, São Francisco
pediu que o levassem novamente à capelinha da Virgem dos Anjos. À
sombra da igrejinha entregou sua alma a Deus no trânsito
incomparável que foi o seu. Maria Santíssima, tão agraciada por
Deus, possui encantos mil e à semelhança do seu Filho Divino é tão
rica que um coração humano não pode venerar de uma só vez todas as
prerrogativas de que foi cumulada pela generosidade divina.
Há desta forma a
possibilidade das mais variadas devoções da Virgem, há a
possibilidade de cada qual venerá-la e amá-la sob o aspecto que mais
o comove, que mais o inflama.
(Extraído do Livro "O
Pensamento Franciscano", Editora Vozes)